Saí da Universidade e descobri “Psicologias”

Após anos me enrolando, ou na verdade, me desenrolando, passando por três cursos e 4 faculdades diferente, me formei aos 25 anos (perto dos 26).
A vontade de fazer Psicologia, assim como nos outros cursos, sempre foi a de me enfronhar no viés acadêmico, ou seja, nessa atuação como Professor de graduação e pesquisador.
O que fazer com esse curso aí que terminei?
O que é atendimento psicológico? O que alugar um consultório?
Enfrentei algumas questões e situações que, na verdade, ainda me encontro incluso e em processo.
Coisas que nunca pensei e que hoje fazem todo e completo sentido.
Como ser um profissional dessa área em uma cidade com 400 mil habitantes com duas faculdade com o curso de Psicologia, formando cerca de 30 a 40 profissionais por ano?
Difícil!
Mas a meta do ir para o mestrado pra em qualquer hora eu conseguir formular minhas “tiurias”, compartilhar conhecimento que tenha conseguido absorver, e colher conhecimento no contato com os alunos, essa bonita meta está aí de pé.
Nesse processo estranho, nesse remover as cobertas puxando em um dia frio, tirar o band aid de vez sem pensar nos cabelinhos grudados… esse momento “sem cadeira” para poder se acomodar, rápido, novo, súbito, eletrizante… tudo tem sido um pouco dolorido. Mas confesso que essa “dor” tem me feito desfragmentar ideias, absorver perspectivas novas e não ficar em uma zona tão de conforto.
O que descobri ao sair da faculdade?
Algo chamado paradigma ético político da Psicologia.
Traduz pra mim – e eu diria para eu mesmo que fiz a pergunta – Claro!
Que raios de proposta seria essa, o que significa ser Psicólogo a partir dessa perspectiva?

Vamos pensar na contraposição de paradigmas para explicar melhor.

Paradigma técnico-científico X Paradigma ético-político

A ideia técnica e científica englobo o aspecto trazido pelo empirismo e positivismo, pelas tentativas de coletas de resultados sob uma neutralidade do pesquisador. Os fatos falam. Seria algo como o que você formula de teoria deve ser submetido a uma comprovação em campo, ou seja, testada na “vida real”.
Esse princípio está ligado diretamente a forma de pesquisa científica, realizada em um viés extraordinário dentro das ciências exatas, ciências naturais. O que isso significa? Que há uma teoria que encontra suporte nos fatos encontrados do trabalho daquele que pesquisa em campo.
A Física se consolida como uma disciplina que suporta esse tipo de encaminhamento de métodos e de metodologia. Algo que acontece em todos os locais da Terra (talvez do universo ou do que é possível mensurar deste), que segue uma lógica tão forte e com argumentos tão fortes, se consolida como uma teoria universal, que consegue ser elemento legislatório. São as leis, aquelas que são aplicadas em qualquer contexto e são obtidas as mesmas respostas. As condições sendo as mesmas, serão os mesmos números e dados coletados.
Por exemplo, em qualquer lugar do mundo se você se jogar de um prédio você irá se espatifar feito um tomate ao encontrar o chão. Isso não muda, apenas varia de acordo com a altitude, com o vento, com a umidade. Ou seja, há apenas aspectos marginais que influem nos resultados.
Por que falar da Física?
As disciplinas clássicas surgem todas de uma: a Filosofia.
A Filosofia trabalhava com a busca de respostas (leigo na área, apenas para podermos compreender as origens) dos fenômenos e aspectos dos homens, do mundo, do cosmos, da origem de tudo e assim vai.
Em seu princípio a Filosofia dava conta de números, de escritos, de mapas e de qualquer forma usada para explicar tais fenômenos.
Em certo momento a Filosofia traz duas modalidades: o quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e música) e o trivium (gramática, retórica e dialética). Nesse ponto já é possível notar uma certa divisão em dois blocos de interesse.
Ok! Fui muito longe já! – entendo –
Daí em diante o que aconteceu foi uma ruptura que guiou dois tipos de ciência: as humanas e as exatas.
Mas mesmo que a Psicologia estivesse dentro de um viés da humana, muitas tentativas de explicação total do funcionamento da psiqué humana foi buscado a partir do viés da ciência empírica e de comprovamento empírico.
Isso se deve ao fato da Psicologia ter sempre buscado “imitar” e seguir os passos da Física.
Por que isso? Influenciados pelos valores dos ideias de Descartes, Comte e outros, a Psicologia precisava de um modelo em que as teorias viravam leis, o que satisfaria o zeitgest (ideias aceitas em certo momento e contexto) de fazer com que os elementos de estudo do comportamento humano e do funcionamento psicológico fossem explicados através de fatos, de coisas que fossem possíveis de estabelecer como maneiras de explicar que desse conta de todas as situações e de todas as pessoas. Ou seja, uma ideia de um “se jogar do prédio e se esborrachar” na Psicologia = algo que aconteceria em qualquer lugar, que fosse uma teoria completa, algo universal, dando conta de responder o motivo de se comportar e pensar de certa forma.
Tivemos a Psicanálise, o Behaviorismo, o Cognitivismo, os laboratórios estruturalistas e tantas outras que tentaram mostrar a Psicologia como ciência, com teorias e leis gerais.
Não rolou, né? Dão suporte para certos contextos, certas atividades em consultório, alguns experimentos, instrumentos como testes. Mas o que é interessante colocar: em contextos específicos.
Alguns elementos do funcionamento biológico são comprobatórios de forma empírica científica, mas como alguém irá se comportar sob tal estímulo,,, isso não.
Porque isso pode ser algo complicado?
Buscar leis que falem por universalidades. Isso significa generalizar, englobar todos em uma mesma coisa.
Isso prejudica ao estigmatizar, buscar formas de reafirmar patologias, problemas, distúrbios de conduta, distúrbios psicológicos, e tantas outras coisas que podem soar como resultado de certos elementos (seja históricos, orgânicos, genéticos).
Falar que a homossexualidade é algo relacionado a um problema na fase do complexo de édipo ou na gestação, significa dizer que ser homossexual não é algo que estaria dentro da normalidade, e pior, indicar que isso seria proveniente de algum problema. Por que não pensar que um problema no complexo de édipo é o que ocorre com heterossexuais?
Excludentes e estigmatizadores.

Não colocando como que tudo o que se buscou, trouxe e traz de conhecimento a partir de um viés científico seja insignificante. Pelo contrário, foi fundamental. O importante é observar até que ponto as grandes tecnologias criadas para trazer melhorias e maior compreendimento sobre o mundo, podem trazer mais ignorância, ódio e excluir.

Paradigma ético-político (até estético também)
Essa forma de pensar estaria ligada a uma maneira de ver as ciências humanas como ciências humanas, e não passíveis de serem fechadas dentro do método científico apenas. Essa ideia do ético e político busca uma forma de se investigar dentro daquilo que pode ser buscado naquele contexto que se busca, e por quem busca. Ou seja, aquele que pesquisa não é neutro, ele percebe aquilo e sua presença já influi nas relações dentro da pesquisa. NO viés de atuação, pensar em não utilizar o método científico se pauta na ideia de não cairmos em generalidades de teorias e nos esquecermos das singularidades daquele que estamos lidando, falando e tendo contato. É não sentir que já se sabe o que é ou como é ter certa psicopatologia, certo sofrimento psíquico. É compreender as potencialidades de todos, a capacidade do ato criativo, de pararmos de pensar que o louco, que o rapaz com down e tanto mais não podem fazer o que fazemos, fazer melhor do que fazemos, ou que não tem nada a acrescentar em seu discurso e suas percepções. Não é da voz, eles já possuem essa voz, é apenas dar escuta. Nessa dimensão ética e política, o trabalho de atuação e de pesquisa é político, já que se engendra em ou manter as generalizações ou de não deixar que excluam por estas. É compreender o papel do atuar como profissional e o quanto isso traz impactos na vida de outrem.

A partir de minha saída da faculdade, ou pelo menos desde o último ano estudando na instituição, minha concepção sobre o que é Psicologia mudou de forma significativa. Não ignorando o que é pensar em psicologia como ciência e o que traz de importante, mas ter sempre em mente a importância do que significa ética e política dentro do que é ser psicólogo, em nosso dia a dia, não trazendo mais segregações e exclusões, mas trabalhando de forma a trazer autonomia, fortalecer os laços relacionais a partir da escuta, sem se colocar em um suposto lugar de sabedor do que o outro tem por já ter lido que quem fala sozinho e maluco e sobre da forma A e B, que toma remédio da forma C e que as coisas são sempre as mesmas. Não! Não são!